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terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Figurinos de dança. Só o visual basta?

Há anos trabalho como bailarino ou coreógrafo em  vários espetáculos e vejo pouco cuidado com os figurinos. Na maioria das vezes, o dos alunos. Algumas vezes os solistas também caem nesse perfil.

Já escrevi alguns artigos falando sobre os cuidados que se deve ter com os figurinos. Existem muitas opções no mercado nacional de boa qualidade, mas que se deve ter cuidados a serem observados.

O preço muito barato... já diz popular ditado que "se a esmola é demais até o mendigo desconfia".

Vi muitas roupas estilizadas. Aliás, ainda com o advento da Internet muitos artistas ligados à dança não sabem a diferença de figurinos idealizados por profissionais (figurinista) ou adaptados (estilista). As roupas adaptadas serão sempre uma opção, mas apenas trarão traços ou adereços e apliques ou mesmo customizaçőes que apenas fazem referências a idéia principal, mas que jamais poderão ser usadas como referências autênticas daquilo que a linguagem original se propõe a reptesentar. Mas não deixa de ser uma opção...

Considero isso um erro grave quando grupos e cias de danças profissionais de matriz étnica leva esta opção como autêntica da etnia. Não acho ruim, pois até eu uso esta linguagem quando o foco é apenas "lembrar" alguma referência, pois tenho consciência de que essa estilização não será um signo fiel.

Me resta usar como exemplo o setor em que mais atuo que é o flamenco. No princípio de minha carreira as costureiras da época confundiam a saia de uma espanhola com saia de ciganas russas, ou seja, com babados franzidos e excesso de roda. Nem vou tocar no cansativo e repetitivo tema das cores preta e vermelha de quem acha que essas são as únicas cores que uma espanhola usa...vide até hoje as fantasias de carnaval ou no vasto mercado de roupas ditas ciganas. O pior é quando acham que o espanhol só se veste de toureiro. Compreendo que estes símbolos se tornaram a maior referência em termos de traje típico. E mais uma vez tocarei nas facilidades de hoje para adquirir informações mais próximas da realidade; quando em uma boa pesquisa se consegue a referência direto com membros da etnia...

O mesmo se repete com as roupas artísticas de dança cigana; já debatido aqui em alguns artigos. O absurdo fica por reduzir à saia russa para toda a diversidade da etnia e achar que o traje  "à la pirata" para reduzir também a referência diversificada do traje cigano masculino mesmo que a origem da dança seja em um país onde esta referência nunca existiu. Serve para qualquer dança e qualquer tema.

Existe uma total liberdade de expressão nas diversas artes. Apenas digo que falta bom senso...

Mais uma vez ressalto que uma boa pesquisa auxiliada por profissionais do setor seria de bom senso para qualquer roupa referente à qualquer etnia quando o trabalho é de representar seu povo com sua arte de dançar.

Nada impede que se use de estilismos para qualquer trabalho. Mas num país onde se prolifera a falta de humildade para aprender, fica impossível ensinar e mostrar outras possibilidades que enriqueceriam a tal dança em questão ao invés da desinformação usada no estilismo.

A moda da auto formação está em voga e dominando o mercado das roupas para algumas danças. Costuteira não é estilista, que não é figurinista e tampouco modelista. Isso não impede que as funções se acumulem numa mesma pessoa ou mesmo que quem irá montar a idéia não faça suas pesquisas  É o mesmo que dizer que o auxiliar de enfermagem, o técnico, o instrumentador, o enfermeiro e o médico são a mesma pessoa. Poderia enumerar centenas de profissões que se complementam por serem do mesmo setor, mas nunca que uma seja melhor ou mais importante que a outra.

Já não basta a evolução pomposa na nomenclatura de algumas profissões para nada? Decorador virou Designer de Interiores, Cabeleireiro virou Hair Stylist e por aí segue...

Nada a ver com construção de roupas, mas nem os técnicos em costura sabem que "pe calcador" é escrito assim por uma questão de linguagem na internet que desconhece a cedilha e os acentos da língua portuguesa por ser o inglês a base desta plataforma onde o correto seria "pé calçador". Então não será difícil ver ou ouvir que a renda de tipo francesa chamada de Guipure (se pronuncia guipir) se transforme em gripir, agripir, gripira, agripina...

Custa aprender?

Evoluir para melhor é uma coisa totalmente diferente de fazer errado e afirmar que está correto. Adotar convenções sem saber as origens pode trazer grandes gafes profissionais.

Por favor, reflitam!

 Esta saia é vendida como espanhola ou de cigana espanhola em vários sites nacionais e estrangeiros