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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Barthalé, Sastimó e... Lacho Drom! Aos meus amigos Ciganos.

Em minha escolha profissional jamais imaginaria que entraria num universo tão rico de gente nova, de culturas diversas e de sabedorias.

Escolhi "dançar Flamenco".

Pronto! Entrei numa encrenca, pois pra mim qualquer castanhola e qualquer toureiro era a famosa dança espanhola e sobre este assunto já falei na matéria DANÇA ESPANHOLA ou FLAMENCO?  Meu início na dança... a partir de 1984. Minha carreira contada. Está aqui no blog .


Mas ao me interessar pela história do Flamenco, descobri outras culturas e a que mais me chamou a atenção foi a dos ciganos. Risos... achava-os criaturas místicas e apenas personagens de filmes e histórias.

Primeiro encontrei uma cigana quando voltava do Rio com minha falecida tia Zefa e eu tinha uns 18/19 anos. Bem no início dos estudos de flamenco.  Passamos pela Praça XV onde era muito comum que quiromantes estivessem ali em plena semana em seus ofícios. Ali conheci também a Olga Petrovich sem saber quem era ela. Mas foi com Magali com quem conversei durante umas duas horas. Ela não errou absolutamente nada e sem eu ter dito uma única palavra. Este foi meu primeiro contato real que me lembro com ciganos. Óbvio que não tirei foto.

Foi estudando e perseguindo o grupo Los Romeros que ouvi falar da escritora gadji (não-cigana na língua romani) e que no alto de Santa Tereza no lançamento do seu primeiro livro "Povo Cigano", Cristina da Costa Pereira que teve profundas vivências com os ciganos dos quais lhe renderam vários livros. Após uns 25 anos nos reencontramos pelos mesmos motivos e hoje ela é uma de minhas melhores amigas.

Nesta festa, vi e me encantei com Mio Vacite, um espetáculo de violinista cigano! Quem escuta se encanta... eu me encantei! Era tanta gente fantasiada que não sabia quem era o quê.... pra mim, todos eram ciganos! E quem diria... anos mais tarde viajei com Mio Vacite e Encanto Cigano para fazer uma festa em São Paulo. Conheci seus filhos Marcelo e Ricardo Vacite e seu primo Thomás, genro de  uma das dançarinas... Vivi um tempo na casa de Mio em Copacabana e vi como era uma família de ciganos de verdade... muito interessante! Apenas durante os ensaios... não mais que isso e durante a viagem de ônibus... ida, show e volta em 18 horas! Uma raridade entre os ciganos permitir a frequência de "gadjes" ou "payos" em suas casas. 

Mio Vacite e Encanto Cigano
Seguindo minhas vivências e curiosidades Flamencas estudando com Sonia Castrioto em Ipanema, encontrei na mesma academia uma cigana, casada com um cigano libanês bravo e recém chegada ao Rio de Janeiro, que me fuzilou com os olhos e quase me atacou com seu tchuri (punhal) só porque pedi para ver as aulas de Hayát para descobrir o universo da dança do ventre. Após alguns meses, fui chamado e pude assistir durante um ano o trabalho desta cigana espetacular.... Aprendi sobre o universo feminino; coisas que todo homem deveria descobrir, entender e respeitar. Hayát havia se separado dele e por isso consegui continuar estudando. Conheci sua vida um tanto nômade viajando por todos os lugares e meio sem destino. Apenas dar aulas e viver em uma terra diferente. Coisa de cigano mesmo.

em Brasília dançando com Hayát

Resultado: viajamos para Brasília como conviadados de uma senhora embusteira que se dizia cigana a quem não revelarei o nome. Mas foi divertido. Não ganhamos um tostão, mas eu, Hayát, Shadia e Renata Greco nos divertimos muito. Após uma desavença com os ciganos locais, Hayát nos defendeu diante da comunidade local de Goiânia em sua língua tradicional, o romani. Consequência: nós, os artistas dançarinos, ganhamos notoriedade local pela imprensa e pela EPTV. Com isso ficamos num hotel 4 estrelas, dormimos e comemos de graça enquanto a trupe de embusteiros ficaram no SESC comendo marmitas. A gente? Comida, bebida e cama de graça neste Hotel desde que a gente saísse por Brasília fantasiados e divulgando o hotel. MARAVILHA! AMEI! Andei de ônibus, de caminhão de carga, de kombi de café.... me senti o próprio cigano...AMEI! Com Hayát, tive a oportunidade de conhecer algumas coisas sobre a cultura deles, como vivem, suas leis, as divisões de grupos e etc. Vivi um lado bonito e senti na pele como é ser cigano. O lado ruim? A discriminação... Ali tive certeza de meu lugar, de quem sou e o quê realmente queria. Sou amigo dos ciganos, mas não sou um deles.

Não dá pra esquecer que dancei com Alexandre Flores cantando por Tientos, por Siguiriyas, Rumbas, Fandangos de Huelva e Bulerías quando dancei como convidado no Hotel Intercontinental em São Conrado, junto com o Ballet Hispano-Brasileiro. Ali conheci e fiz amizade com ele....

Alexandre Flores recebendo disco de platina das mãos
do diretor da Som Livre,  Aramis Santoro de Barros,
pelo  CD Coração Cigano

Passam os anos e lá vou eu me meter a escrever pelo antigo jornal de classificados  BALCÃO, no setor que se chamava F.A.P.I.A., onde se fazia intercâmbio cultural com outros povos. Nesta época não existia Internet. Conheci através de cartas, cidadãos de Melilla, uma colônia espanhola ao norte da África, de Cádiz e de Sevilla. Com eles peguei informações sobre os ciganos do Marrocos e da Andalucia. Coisas que em nenhum livro se encontraria.

Confesso que nesta época me questionava por qual razão fazia o Flamenco e não Dança Cigana? Tive crises....

Andanças da vida...

Wlavira
Conheci Wlavira Turchzneck e foi como se descobrisse alguém de um passado. Me encantei com ela. Fiz minha primeira FIESTA GITANA com ela me dando todo o suporte. Conheci quase que de imediato o cigano Mikka Capela. Um cara extraordinário com sua cabeça que parece um HD de informações. Muito ágil na articulação de pensamentos e muito culto.

Wlavira e Mikka
Não dá pra falar de tantos ciganos que conheci e conheço. Seria um livro e esta história levarei comigo em meu espírito.

Idas e vindas nos workshops de Flamenco conheci também a José  Maya, Isaac de los Reyes e em um breve papo com Ezequiel Montoya, cantaor e sobrinho-neto do grande dançarino Farruco.

Um desejo forte de conhecer algum descendente dos primeiros ciganos a aportar no país logo após a descoberta. Neste dia, pedi a Cristina e ela me apresentou ao semi-nômade Marcos Rodrigues, calon descendente de ciganos portugueses.  Marcos tem um dom natural de entrar e sair sempre com a mais pura tranquilidade dos ambientes. Com ele tenho aprendido aquilo que me é necessário para aumentar meu respeito a sua etnia e aprender a  enxergar os falsos ciganos nos caminhos que eventualmente entro. Ele é o vice presidente da Cepecro e um grande amigo meu.


A mais recente se trata de alguém com quem o contato tem sido mais permanente. A romnichal Alessandra Tubbs tem sido uma grande alegria pra mim. Seu esposo Fábio Tubbs e filho Otto são um encanto como uma família íntegra.  E hoje faço parte da Cepecro, uma ONG da qual se luta pelo respeito, honra e os direitos da etnia. Um exemplo de família cigana do séc. XXI que não rompeu com os costumes, mas estão totalmente inseridos na atualidade da vida. Alessandra é a presidente da Cepecro e Fábio está junto com ela.



Mas saibam que os romá aqui não mencionados que nunca esqueço e jamais esquecerei de vocês!

Apenas queria deixar marcado o quanto aprendi a amar a diferença, a não ter preconceitos e a admirar os outros quando os exemplos são salutares.

Santa Sarah em Camargue, sul da França
Alguns ciganos  acreditam em Santa Sarah e em outros santos e divindades  do mundo segundo o segmento da fé que cada família segue de acordo com o local onde estão.  Apenas desejo a eles que seus deuses, guias ou quais sejam seus mentores que lhes dêem em suas vidas, muita saúde, muita paz, muita coragem e que saibam escolher os melhores caminhos nesta difícil jornada que é a vida.

Nesta aventura cigana, descobri qual é a essência do Flamenco. É a mesma do cigano. Amor à Vida!

Então Lachi Bar, Sastimó e Lacho Drom nessa estrada chamada Vida!
(Boa Sorte, Saúde e Boa Viagem nessa estrada chamada Vida!)

Dedico este artigo ao grande Antonio Guerreiro, rom, mestre em música, professor universitário e que deixou grandes ensinamentos a vários alunos e a Mio Vacite, rom, violinista talentoso que a muitos encantou com suas músicas as quais eu pude ter o prazer de desfrutar de alguns destes momentos honrosos para mim. Este ano de 2019 eles cumpriram sua jornada terrestre e lembrarei deles com muita honra e muito respeito por tudo o que puderam me deixar como ensinamento de sua etnia.

Aos grandes Antonio e Mio, Lacho drom taverleto (Boa viagem e descansem em paz).

Artigo lançado em 2014 e editado em 2019.

sábado, 17 de maio de 2014

ESPELHO... OLHOS... ALMA... MEDUSA

Hoje vi uma foto postada numa mídia da internet, por uma amiga, de um índiozinho brasileiro com um olhar expressivo. O olhar da Alma, assim chamo.

Já diz um ditado popular que "os olhos são o reflexo da alma".

Gosto muito dos mitos da humanidade e muito me encanta a Mitologia Grega. Li muito os livros de Junito de Souza Brandão e ali tem o retrato mítico dos heróis, dos perversos e, no fundo, um retrato grego da alma humana.

Um dos mitos mais interessantes fala da ingenuidade, do castigo e prostração e depois a vingança. Me encanta não pelo tema em si, mas pelo retrato dado ao tema. A história da górgona Medusa, antes uma sacerdotisa do templo de Atena, deusa da Sabedoria.

Isso retrata a castração e a descoberta da sexualidade de forma agressiva (estupro). Medusa foi a única das três górgonas (suas outras irmãs e menos importantes eram Esteno e Euriale) que era mortal. Foi decapitada numa epopéia protagonizada pelo filho meio-humano de Zeus, Perseu.

Interessante é que Medusa era uma bela virgem e sacerdotisa. As sacerdotisas precisavam ser virgens e no templo de Atena, assim como em quase todos os templos, era proibido o casamento e relações sexuais. Zeus, o rei dos deuses do Olimpo, sempre foi atrevido e sempre tentou várias humanas e com muitas teve filhos, os quais se tornaram semi-deuses... Hércules é o mais famoso de todos.



 Zeus se encantou com a beleza de Medusa e a tentou e desafiou, como sempre, os deuses subalternos a ele. Atena não seria a única. Em uma de suas aparições como humano, Zeus adentrou o templo de Atena, encontrou e estuprou a sacerdotisa Medusa.  Ao descobrir que sua sacerdotisa perdera a virgindade, Atena a expulsou e a castigou transformando-a no ser com cabelos de víboras, dentes caninos alongados como os de uma cobra e corpo meio serpente. Dela foi retirada a beleza e a quem olhasse em seus olhos se transformaria em estátuas.

Interessante como os seres supostamente superiores aos humanos possuem as mesmas virtudes e defeitos de seus inferiores e menos afortunados terráqueos.

Um olhar mais profundo revela a intolerância dos deuses aos seres humanos lhes velando o direito ao argumento e apenas lhes premiando pela obediência inquestionável ou castigando-os pelo não cumprimento dos mesmos. Não era dado o voto do verbo aos humanos. Ou estavam certos ou errados segundo a visão dos deuses.

Não há nada mais poético que vislumbrar os olhos de si mesmo. O espelho. A única maneira de encarar a si mesmo sem se ver é olhar através de um reflexo do reflexo; como se ao olhar a primeira vez, visse o negativo e re-olhando pelo reflexo revia o seu positivo. Foi assim que Perseu venceu Medusa... olhando pra ela através do reflexo de seu escudo, pois olhar diretamente para os olhos de Medusa através do reflexo nada lhe causaria.

Medusa é a poesia dos Olhos da Alma. Reflete o seu verdadeiro "eu" capaz de petrificar por causa de tanta maldade e crueldade existente em si mesmo.

Onde está a maldade e a crueldade de Medusa? Ela foi ingênua. Ela foi atacada. Assim pensavam os gregos em relação a mulher que sofreu durante séculos como ser inferior. 

Hoje em dia ela se tornou, como nos revela a Psicanálise, o símbolo da ira feminina em consequência do abuso sexual sofrido por ser mulher e, supostamente, inferior. Daí o "retrato de mulher mais horrenda do mundo", o "lado negro" da mulher e do ditado pouco conhecido de "entrar no ninho das cobras, beber do néctar com elas e sair de lá sem estar envenenado".

Medusa, os olhos da Alma.
Você realmente consegue se olhar em seus olhos no espelho da vida?