Powered By Blogger

domingo, 4 de abril de 2021

Partidas..."Graças a Deus!"

 "Graças a Deus!" Ao menos foi o que pensei quando neste dia 03 de abril escutei sua neta me dar por telefone a triste notícia da partida de minha vizinha de 89 anos, D. Esmeralda.

Foi exatamente o que fiz porque a prometi quando ela se fosse. E hoje, dia 04, um domingo de páscoa neste 2021, me perco na razão de comemorar essa Páscoa ou apenas comer chocolates por conta da ocasião ou mesmo algum quitute que ela sempre reservou pra mim nas datas festivas.

Quando me mudei pra esta vila há uns 8 anos, eu não conhecia ninguém e não falava com nenhum dos 4 vizinhos aqui. D. Esmeralda faz porta comigo e é impossível não nos esbarrar. No início era através da minha senhoria que pedia alguma coisa pra ela até que ela mesma tentou aproximação com um simples "bom dia, quer um cafezinho?" E eu educadamente neguei por não ter ainda a intimidade... "agradeço, mas não quero!"

E foi assim que deixei nela a primeira impressão de um vizinho seco, que talvez fosse difícil conviver. O tempo foi passando e, como sempre faço, tentei a política da boa vizinhança e com ela acabei me aproximando. Esmeralda passou a ser aquela avó postiça; a avó que nunca tive.

"Senhora" pra cá e pra lá, um dia ela me disse "Sou velha, mas não me chame de senhora. Posso ser sua avó..." 

Uma vizinha como nunca tive que me abriu as portas sem nenhuma restrição, me tratou como neto e com quem me abri muitas vezes recebendo conselhos de uma anciã com muitas vivências, muitas dicas e história de seu tempo de jovem, sua família e a triste história da perda do marido e filhos em tão pouco tempo; história essa que passei a escutar quase todos os dias neste tempo que aqui estou.  Mas sempre levei alegria, humor e muitas vezes ouvia o que tinha para contar de suas angústias, sua difícil aceitação das partidas e de sua vida triste por causa disso. Passei a me abrir com ela e contar alguns relatos e Esmeralda passou a ser aquela avó presente que não pude ter.

Passou a zelar por mim querendo sempre saber se estava bem, alimentado, preocupada com meu trabalho e saúde... coisa típica de avó que ama os netos. Conheci sua família e me aproximei muito de sua neta Karla que dava a ela todas as atenções assim como outros parentes.

Muitas vezes ela vinha com um cafezinho na janela enquanto eu trabalhava na costura. Outras vezes chegou a dividir sua comida porque me via trabalhando tanto que não tinha tempo para cozinhar. Uma verdadeira e grande avó...

E acabei sendo o neto postiço, mais presente por estar vivendo do lado dela e ser aquele "faz tudo" quando ela já não podia. Mas um faz tudo de tudo! Algo que tive o prazer de fazer por ela... Por essa proximidade entre nós cheguei a despertar ciúmes em uma vizinha daqui que nunca compreendeu esse laço entre nós. Coisas da vida... talvez coisas de outras vidas...

Falei muita besteira pra ela, pedia opinião nas fantasias que, às vezes e até para me agradar sempre dizia que estava linda (risos). Mas aprendi a reconhecer nela quando algo lhe desagradava.

 "Ricardo, quando eu morrer você vai no meu funeral chorar por mim? Você tem que ir porque agora você é meu neto!"

Na verdade eu disse que se eu fosse, iria de roupa bem colorida  e ainda ia contar bobagens pros parentes e falar "graças a Deus ela se foi" porque era o que mais ela queria. Disse que me vestiria de dourado ou mesmo colocaria uma de minhas fantasias e que chocaria a família por conta do momento, mas para demonstrar a eles o quanto eu era feliz com ela aqui, o quanto a fazia se divertir comigo e o quanto a amava. Não queria que seus dias fossem tristes com as lembranças que me relatava...

E assim eu fiz. Karla me deu a notícia, tampei o celular e falei "graças a Deus você se foi!" e voltei a conversar com a neta.

Reviver mais uma partida em apenas 13 dias está sendo duro... para os outros eu não sou parente, mas pra mim ela foi minha avó. Aquela avó que não pude ter em outras fases da minha vida...

Esmeralda Moscoso da Costa iria completar seus 90 anos agora no próximo dia 10 deste mês. Minha melhor vizinha, uma de minhas melhores amigas e a avó que eu amei nesse tempo todo. Uma mulher com vida intensa, de muitas experiências fortes, densas e outras muito intensas e felizes, alguém que me doeria quando eu saísse da vila porque me sentiria na obrigação de neto a ter que manter o contato, visitá-la quando possível e continuar ser seu "faz tudo" sempre que precisasse, alguém que com certeza iria aumentar meus custos de telefonia. Alguém que me mostrava o álbum de família, me contava as história como se eu realmente fosse seu neto... quantas vezes sentei naquele sofá pra ver uma história que não era a da minha família, mas que ela me fez sentir como se fosse.

É mais um partida que doerá como o da minha mãe, mas que relutarei e deixarei o tempo amornar meu coração e ter as lembranças que construímos juntos aqui na vila.

Esmeralda foi se encontrar com o marido e filhos...agora ela está feliz!


* 10/04/1931

+ 03/042021

Minha adorável avozinha postiça!

Você estará sempre no meu coração...