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sexta-feira, 8 de abril de 2022

O Dia do Cigano, 08 de abril

Já aviso: ARTIGO LONGO. Tenha paciência para ler, pensar, refletir e achar o que quiser.

Pra quem me conhece sabe o quanto sou admirador da etnia e da cultura, do quanto me envolvi artisticamente no passado, o quanto me envolvo hoje e o que penso sobre toda essa vivência que tenho. Mas cabe realçar pelo dia de hoje  a importância daquilo que mais se fala aqui em nosso país por conta de seguidores xenófilos a etnia. Não explicarei outra vez o significado desta palavra por já ter feito isso em artigos passados. Basta procurar aqui no blog os artigos sobre a etnia.

Declaro que não sou, não pretendo ser e não falseio minha identidade étnica como cigano. Mas para aclarar o dia de hoje não dá apenas para ressaltar a importância deste dia sem também não apontar algumas questões que passa despercebido por muitos. Que fique claro que a intenção não é polarizar ou mesmo trazer discórdia, mas reflexão de ambos os lados.

O que mais se fala entre ciganos (aqueles que se manifestam) é sobre ser discriminado, apontado e perseguido. Essa é uma história longa de herança cultural. É muito delicado tocar neste assunto porque eu, como um gadjo, payo ou garrom (são palavras em alguns dialetos da língua deles que significa "não cigano") estarei falando deles; coisas que eles mesmos não gostam muito e alguns ficam até possessos! Já fui apontado algumas vezes por eles por conta disso. 

Mas ao expor o que penso a eles (os que me conhecem e comigo tem contato) a grande maioria entendeu. Chegamos a um ponto em comum.  Para uma convivência harmônica entre grupos étnicos não dá pra se sentir ofendido e distorcido se não cede um pouco de sua cultura para que não sejamos ignorantes e muitas vezes até toscos. Dizer que "está errado, que não existe, nunca existiu ou qualquer outra invenção ou crendice" sobre sua etnia se vocês não nos ajudam a compreendê-los melhor e fazermos respeitá-los por isso. Estes se mostram inertes e sei algumas razões para isso. Enquanto vocês não se defendem de maneira inteligente, muitos de nós continuarão a perpetuar essas coisas erradas a seu respeito. E não por maldades! Mas porque carregamos um sentimento pela etnia de admiração e que não sabemos como lidar com isso. E por desconhecermos alguns pontos essenciais da cultura acabamos por errar, mas sem maldades. E é aí que os oportunistas (ciganos e não ciganos) invadem e contribuem para a distorção aumentando tudo aquilo que vocês não gostam. Me engasgo, haja vista que minha voz não tem peso entre vocês, toda vez que vejo ou escuto algum cigano fazendo descaso com os seus não se importando com o que acontece, muitas vezes apontando os erros dos outros mas literalmente não movem uma palha para alterarem isso! Quando muito, são oportunistas desta situação! E ainda querem "exigir" respeito só por serem da etnia... isso tem nome! 

Me lembro bem da minha amiga e escritora Cristina da Costa Pereira, que tem 7 livros dedicados a vocês, me dizendo "Ricardo, nossa palavra não tem peso nessa luta! Por mais que consigamos esclarecimentos e digamos apenas o fundamental será o próprio membro da etnia que terá que fazer valer sua palavra. Muitas vezes o silêncio deles corrobora pra tais distorções. Infelizmente só podemos observar como eles, os tutores vivos de sua cultura, agirão daqui pra frente. São eles que têm que estudar, conquistar espaços em nossa sociedade para defender legalmente seu povo e mostrar que ambos podemos conviver em paz e harmonia. O que é velado deles que continue em casa, em seus lares e comunidades. Mas é triste eles perderem a oportunidade, seja em fóruns sócio-políticos, cenas culturais e outros meios a oportunidade de esclarecer isso e dar um ponto final. A cultura é deles e são um povo vivo e atuante sim, mas que deixam passar estas oportunidades". Eu ainda completaria com os oportunistas daqui e de lá que fecham estas portas; como já disse acima.

É fácil ver estas distorções em novelas (mesmo que apenas inspiradas na etnia), festas temáticas e se agrava mais ainda quando observamos os caminhos ligados a religião, em especial o espiritismo onde diversos e supostos espíritos de ciganos se manifestam demonstrando aos ouvintes leigos da cultura e os responsáveis por cada "templo" todo tipo de superstição, lendas e informações históricas e culturais totalmente fora de uma realidade ainda viva, de desinformação sobre a sua diversidade religiosa, de vestes e paramentos e pior, uma língua mista de português e espanhol para toda a diversidade de dialeto que existe entre eles. Isso também alimenta tudo o que eles não querem e faz descrer mais ainda na verdadeira espiritualidade, uma das filosofias que prega o auto conhecimento para entender seu papel no universo. De certo, um cigano verdadeiro que queira seguir este caminho após desencarnado não perderá seu precioso tempo se manifestando nestes ambientes onde nada os representa nem em quesito de força! Ali vai se manifestar o "mulô", o "egun" ou de forma mais clara o "obsessor" que tem como uma de suas propriedades se apresentar exatamente da forma que o ignorante, letrado ou não, se encante e caia sob seus auspícios fazendo os estragos ao longo do tempo com suas ilusões. A moda ficou tão criativa que até inventaram centros espíritas ciganos batizados de "tsara" (casa ou barraca, em uma das línguas deles) como se todos os membros da pluralidade étnica deste povo usasse a mesma palavra para o mesmo significado e todos tivessem o mesmo comportamento vindo de tantos países diferentes em sua história. Isso só mostra o quão desconhecem, seja o zelador ou mesmo seus médiuns e visitantes que acreditam, a verdadeira face da etnia. Nem perderei meu tempo falando de inventados rituais ditos ciganos...

Conhecemos e alimentamos o lado mais lúdico da etnia... o das fantasias da Idade Média ou dos pequenos e notórios grupos de ciganos nômades, os mais visíveis dos invisíveis em nosso país. Quase sempre a maioria de nós desconhecemos os seminômades e os sedentários. São grupos que se adaptaram ao mundo moderno, possuem algum nível de instrução e outros que até doutorado em alguma carreira conquistaram e estão entre nós sem sabermos! Estes ninguém quer saber ou mesmo respeitá-los em suas raízes; mesmo que não vivam fantasiados como nossa imaginação fértil dita e tanto forçamos a barra para ser. 

É deprimente e vergonhoso saber que em algumas cidades do interior, e das capitais também, que muitos não ciganos e que até se dizem representá-los fazem festas temáticas, feiras esotéricas e feiras de artesanato pra venderem suas obras inspiradas na etnia. Mas são capazes de negar, perseguir e até mesmo a prender quando os verdadeiros ciganos vendem seus artesanatos como panos de prato, panelas ou outros tipos de produtos. Os conselhos tutelares de muitas cidades por onde os ciganos estão querem retirar suas crianças de seus familiares ao invés de querer saber por qual razão aquelas crianças estão nas ruas com seus pais e não em escolas ou mesmo saber por qual razão alguns membros ficam doentes e são expulsos de centros médicos, ambulatórios e hospitais. Dá vergonha ver isso e deixar passar em branco em pleno século XXI! E logo aqui neste país onde, mesmo eles sendo perseguidos e discriminados, somos o único país do mundo que nutre uma xenofilia aos ciganos. Sinto a mais pura vergonha disso...

Muitos querem ser ciganos, se batizam ou se apresentam como tal sem sê-lo. Nunca houve na história da humanidade e da ciência a conversão genética para outra etnia; salvo ser descendente geneticamente falando. Ainda assim, teriam que ser criados na cultura para serem melhor aceitos entre eles. Segundo o psiquiatra Almir Ahmed e amigo de Cristina da Costa Pereira, "quando as pessoas falseiam a sua identidade revelam uma relação fraca com sua verdadeira identidade, não estão satisfeitas com ela, sentem-se inferiorizadas. Mas percebo que há dois comportamentos distintos nessa questão da falsa identidade cigana: 1)- pessoas que se dizem ciganas para obter lucro material, seja na área da dança, da música, das artes de adivinhação. Eu diria que isso se diagnostica como um distúrbio do caráter. 2)- pessoas que se dizem ciganas não para obterem lucro material, mas o que elas acreditam ser um ganho emocional, um aumento de sua autoestima. Isso caracteriza um comportamento histérico; o que em psicanálise se chama histeria."

O céu é meu teto - em qualquer lugar que estejam no mundo seu telhado está sob o maior de todos os tetos; o que talvez explique que não há limites para onde ir quando ali são indesejados. A casa é "enorme" e tem o maior de todos os tetos.

A terra é minha pátria - embora vários países o ignorem, sua pátria é onde residem, cumprem as leis e pagam como qualquer outro cidadão, mesmo que sua cidadania não seja reconhecida. Eles adotam os costumes locais e misturam aos adquiridos ou herdados das viagens familiares.

A liberdade é minha religião - a maneira mais simples, óbvia e que toda filosofia prega... o livre arbítrio. Eles sabem muito bem como plantar e como colher o que escolhem. Reconhecem quando ultrapassam seus limites assim como nós mesmos fazemos em nossa sociedade. Nós, os não ciganos, apenas ignoramos isso.

São lições aprendidas a duras penas pelas estradas por onde passam...

Enquanto os países cantam seus hinos para honrar sua força como nação, suas forças armadas, seu orgulho por ser povo altivo e de cultura forte e suas lindas terras varonis o hino cigano foi forjado sob lágrimas sanguinárias de tantos assassinatos e mortes injustas. Este hino é em homenagem e reconhecimento aos antepassados por sua indômita bravura e resistência, orgulho por serem quem são (mesmo nas sombras) e por se unirem e uns estimularem aos outros a jornada e a conquista de seus direitos sociais nos lugares onde vivem, onde são cidadão e clamam por isso.


Fomos educados a silenciar e a honrar as nossas bandeiras (todos os povos do mundo) e ridicularizamos a deles dançando com ela, fazendo insinuações ou mesmo bordando frases e nomes nela; o que seria crime em muitos países do mundo! Às vezes nós que nem somos da etnia levantamos sua bandeira para alimentar nossas fantasias de teatro, de inválida e suposta cultura cigana sem mesmo ter um deles  que honre este hasteamento como seria em qualquer outro país. "Ah mas eles não tem país!" já ouvi isso muitas vezes... minha resposta foi "por qual razão então você não usa a bandeira de seu país ao invés da deles se é que, a seu ver, não existe?". O silêncio foi a resposta que recebi. Sua bandeira tem significado para eles e devemos respeitar profundamente isso. O azul é o teto de todos eles, o verde é o chão por onde passam e a roda são todos os povos ciganos do mundo se juntando em apenas um só: a romá. Vermelho? Preciso mesmo explicar?

Na verdade a palavra "cigano" ainda traz significados diversos e quase todos pejorativos; o que faz que muitos deles sequer a use pra se identificarem. Se reconhecem como "romá", que significa sua pluralidade. Para acabarmos com essa diferença e preconceito deveríamos adotar essa palavra e apagar a outra... seria uma das maneiras, no mínimo, de demonstrar o quanto queremos e os respeitamos como merecem.

Mas reconheço, apoio e me uno aos poucos que sabem e entendem as necessidades de cada foro, de seu foro e ali se torna uma força para exigir seus direitos constitucionais. Se cada grupo local ou familiar conseguisse ou se, ao menos, se interessasse em fazer isso ficaria menos difícil lidar com tanta divergência e oportunismo de poucos elementos na construção dos Direitos dos Ciganos em trâmite há anos lá na capital do Brasil. Enquanto houver a necessidade de colocar um único representante da diversidade dentro da etnia, ficará difícil resolver e/ou consertar os erros quando o projeto for aprovado. Para quem bem sabe não existe títulos de nobreza entre eles para que fiquem subordinados apenas a uma figura. Mas sim pode-se conseguir um representante de cada grupo (calon, rom, sinti, romanichal e etc) para entenderem as particularidades de cada subgrupo e fazer as devidas alterações e reinvindicações. Não entendo de legislação, mas creio que sei um pouquinho sobre a romá. Não quero nada pra mim a não ser ver a conquista e o respeito por meus amigos romá. Eles que se entendam e se organizem de forma justa a representarem dignamente suas famílias e seus grupos. Estarei sempre dando meu apoio nessa causa! Façam valer o que significa a sua bandeira!

Sobre tudo o que penso, vi e vivi sobre os romá é só "fuçar" os artigos antigos neste blog. Ali entenderão tudo o que escrevi hoje.

E para finalizar, poderei até receber "pedradas" e  tudo o mais que signifique estar realmente correto por apontar diretamente nas feridas dos dois lados. No fundo gostaria que outras pessoas como eu agissem em prol da etnia, segundo a possibilidade de cada um, para acabar com tanta coisa feia e fazer as devidas menções em todos os segmentos que existem no país de forma limpa, correta e honesta sem massacrar a cultura deles.

Estas pedradas poderão me atingir e pra mim significarão quantos se sentiram enquadrados em tudo no que diz respeito a ser, de forma lúdica ou algoz como bem diz o psiquiatra Almir Ahmed, contra a verdadeira cultura pertencente a etnia romá...viva e atuante.

Que sigam adiante valentes e corajosos como sempre!

"Opre Romá"



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