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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Quebrei meu muro de 30 anos!

Sabe, todas as vezes em que quis abrir o verbo para me libertar, algo acontecia em meu entorno e me fazia agir ao contrário. Me fechava cada vez mais diante de algo que era, e ainda é até hoje, assustador. Viver sob o olhar de reprovação, do preconceito, do desdém e do deboche camuflado, de estigmas de familiares, dos amigos e do próprio círculo social não é nada fácil e causa marcas profundas. A saída que encontrei na maioria das vezes foi enfiar a cabeça debaixo da terra, de criar um castelo sem portas e me proteger.


Dia 01 de dezembro deste ano segurei a Angelina em meu colo. Uma criança de apenas 30 dias de nascida, soronegativa e filha de pais soropositivos. Minha garganta ficou entalada porque ela me deu esperança e vi que toda teoria que vi nos noticiários eram verdades. A ciência avançou e trouxe a possibilidade de pessoas soropositivas ou sorodiscordantes terem seus filhos sem o vírus do HIV. Fui apenas dar testemunho para um grupo fechado no posto de saúde que me trato para falar a vários profissionais dali e para outras pessoas sobre a forma de tratarem qualquer pessoa que necessita de ajuda. Ainda demonstrei um pouco da minha arte dançando flamenco.

Angelina foi a força que eu precisava, a gota que transbordou meu copo e a pedra que derrubou meu castelo. À noite escrevi no meu perfil do Facebook o desabafo e assumi abertamente estar soropositivo há 30 anos e com carga viral indetectável há 27/28 anos ao menos.


Raras foram as vezes em que usei minha condição soropositiva pra ajudar alguém e esclarecer a outros pela ignorância e o preconceito que gera ser um portador do vírus. Mas a maioria das vezes me fechei, tive vergonha até por colegas de meu círculo profissional sendo canalhas ao usarem sua situação para arrancar a pena e pedir ajuda financeira aos semelhantes quando o governo dá tudo. Me deu vergonha e receio de ser comparado a estas pessoas. Situações onde a fala era pejorativa, racista e preconceituosa também me fizeram me fechar mais ainda, ouvir alguns familiares com sua fala nojenta sobre o "câncer gay" e da ojeriza aos gays, coisas assim...

Me fechei mesmo!
Foi difícil digerir a minha situação há 30 anos. Passei este tempo todo lidando com as 3 palavras existentes até hoje para aquele que adquire o HIV: Aceitação, Estigmas e Preconceito.

Nem trago aqui os duros momentos de saúde abalada e tentativa de equilíbrio no uso do coquetel com seus efeitos colaterais fortíssimos em mim. Cheguei a para em hospital algumas vezes. 

Passou!

Declaro que não superei sozinho! Tive uma equipe profissional ao meu lado que sempre me deram as bases para seguir adiante. Destaco a psicóloga Mariângela Pinheiro e a assistente social Silmar as quais devo parte desta dura tarefa de se aceitar, assumir e apenas seguir adiante. Também foi fundamental o apoio de meu pai enquanto vivo. Com ele tive a maior surpresa porque sempre fomos muito diferentes um do outro, cheio de atritos mas que ele foi de imediato o mais empático comigo. Talvez por entender que essa era uma luta singular como a do câncer que ele tentou e não conseguiu. Minha mãe se foi em 2020 ainda sem aceitar e carregando consigo a vergonha por eu estar soropositivo. Ela aceitava bem minha sexualidade mas não superou o HIV. Meus irmãos demoraram muito a aceitarem; o que pra mim foi natural naquela época. Mas não tive tempo pra penar neles... eu era o centro dessa situação. O HIV balançou minha vida no que diz respeito aos valores da vida que recebi em minha educação, das falas de muitas filosofias ditas religiosas ou apenas científicas jogando uma culpa enorme em mim, no famoso anticristo e ainda me julgando e de tantas pessoas que sequer sabiam o que falavam. O erro do outro e seus pesares sempre foi mais fácil pra enxergar e analisar. Destas pessoas nunca ouvi dizerem que erraram, que se redimiram e aprenderam a lição.

Não tinha como apenas entender suas falas naquela época quando era eu quem estava sem o chão e no olho do furacão.

É sempre fácil falar do outro, da outra família que tem, do amigo do trabalho que é e etc. Mas quando o elemento em si está mais perto de você tudo muda. Muda a fala, mudam as atitudes, o interesse e mesmo sem perceberem seus atos passam com um pouco de preconceito emocional. Hoje estou amaciado, superei isso e estas pessoas e sigo a jornada normalmente. Confesso que mudei demais minha forma de pensar e agir diante da vida e vi muitos (pré)conceitos irem terra abaixo porque senti, e sinto até hoje, na pele tudo aquilo que é apenas teoria pra essa gente. Fiquei muito mais sensível e seletivo do que era. Empatia é uma forma de tentar sentir, entender e respeitar o outro. 

Nesses anos descobri o quê realmente é a Compaixão, o Acolhimento e a Resiliência associados aos atos que geram a Gratidão. são estados da alma que sequer precisam estar ligadas a qualquer religião, filosofia ou ciência por pertencerem a esfera humana. Todos sentem!!! Muitas vezes não faz nenhuma razão racionalizar a emoção. Embora ambas andem juntas estou vendo que ambas são complementares e devem se equilibrar. Quantas vezes ouvi falar de falhas emocionais ou racionais!!! São apenas algumas qualidades que estão em excesso ou carência. Já não as vejo como os famosos defeitos humanos.

Pedradas sempre se leva e cabe a cada um decidir o quê fazer com elas. Eu fiz um enorme castelo por muito tempo, mas foi Angelina como uma única e pequenina pedra que desmoronou meu castelo! Ela me mostrou que estas pedras servem para fazer uma ponte e não um castelo!!!

Quebrei meu muro de 30 anos!

Estou construindo uma nova ponte usando todas estas pedras para seguir na única direção possível pra mim. Essa é uma estrada que decidi não ter uma segunda opção. Seguirei por ela nessa vida e em tantas quantas forem pra apenas ser feliz.

Minha estrada pode inúmeros caminhos para serem escolhidos mas seu final só tem uma opção e jamais abrirei mão deste fim.



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