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sábado, 28 de outubro de 2017

Mabel Martin, dura como uma rocha e amável como uma rosa

Quando adentrei a sala da academia (não lembro o nome mais) na rua Bambina, em Botafogo nos idos anos 80, tinha certeza que era aquilo que eu queria.

Me arrepiava ouvir os sapateados daquela mulher e de seu grupo ensaiando para mais um show. Mabel Martin era uma mulher muito exigente com a dança, com seus alunos e nos tratos profissionais. Sempre foi tida por muitos como carrancuda e grossa, mas hoje a vejo como uma mulher explosivamente latina, "muy flamenca" e com as emoções à flor da pele...como pede o Flamenco e muito sincera em tudo que pensava.


Adentrei seu curso e vi como ela tinha carinho com as aulas, tinha método, tinha disciplina. Ali comecei meu derradeiro destino com a dança. Pesava meus 54 quilos em 1,76m e sem nenhum aprendizado prévio de dança.


Nunca fui tratado com as grosserias que diziam que ela fazia. Nunca fui chamado a atenção salvo os erros dos exercícios e sempre recebi as devidas orientações com carinho.


Ainda me lembro bem das aulas de castanholas dela. Eu tinha a minha "caixotinho de feira" que ela muito docemente me dizia: "filho, esta não serve para a dança porque é para enfeitar. Te ensinarei a escolher uma castanhola decente para estudar". Dito e feito. Juntei meu dinheiro e comprei uma Lucero Tena, muito em moda e considerada uma das melhores na época.

"Lagarteranos"

Chegada ao Brasil
em 1963
Ela e o marido, Alberto Turina, ambos argentinos com antecedentes asturiano e madrilenho respectivamente, trouxeram a escola de danças espanholas completa em todos os seus estilos e com eles o esclarecimento sobre estes estilos o que, infelizmente ainda, muitos cometem erros ao se qualificarem como professores destas danças. Por isso às vezes ela era dura nas críticas quando via o trabalho de outros profissionais do mesmo setor.

Alberto Turina, Pepe de
Córdoba,
Mabel Martin e
Carmen de Ronda, SP
Los Romeros
Primeira Formação
Adentrar os grupo Los Romeros era difícil porque não era só flamenco. Mabel  exigia que se estudasse todas as escolas. Porém aproveitava cada um em seus melhores estilos na hora de montar coreografias para o grupo.

Ainda me lembro bem de alguns artistas em sua primeira formação como Victoria Núñez, Getúlio
2a Formação do
Los Romeros
no RJ
Sardinha (mais conhecido como Tulio Cortez), Arnaldo Triana, Teresa Seiblitz (a atriz), Lucia Caruso, Marisa Vasquez e Niffer Cortez. São os nomes que me lembro. Alguns deles já não estão entre nós, mas fizeram também escolas e tiveram seus discípulos. Em outras formações, gente como Isabel Rios, Marta Hernandez, Robinson Gambarra, Suraya Helayel, Giselle Ferreira, Paula Segadas, Marcia Bonnet, Rodrigo Garcia, Diego Zarcon (hoje também um grande cantaor) e tantos outros que seguiram carreira. Existem outros dos quais não acompanhei porque saí do curso por apenas querer o Flamenco. Mas a grande maioria desistiu por conta das intempéries do mercado, porém alguns estão espalhados Brasil afora e outros no exterior.

Do trabalho como músico, Alberto deixou crias. Alberto Magariños "El Maga", Mara Lúcia Ribeiro, Fábio Nin e Sérgio Otero. Estes são os que tenho certeza.



Depois da rua Bambina, foi para a Casa D'España do RJ e lá realmente conseguiu, a duras penas, solidificar sua Escuela Española de Danzas. Ali montou um atelier de costura onde ela mesma fazia os figurinos financiados pelo casal e que entravam para o acervo do grupo.

parte do Ballet da Casa D'Espanha do RJ

De seus filhos, apenas Andrea segue na dança, pois a atual gestão não consegue conservar na prática os trabalhos do casal divisor de águas na dança espanhola carioca a não ser pelos modismos do flamenco atual; o que se pode lamentar quando o assunto é herança e continuidade do trabalho que eles implantaram no Rio de Janeiro. Mas achei muito humilde escutar que "podemos não saber o que é o Flamenco, mas foi com Mabel e Alberto e vendo shows que descobrimos ter a certeza daquilo que não é Flamenco". Adriana Araújo, nora do casal e esposa do filho Marcelo que me confessou a dificuldade de estabilizar e manter o trabalho deles por conta dos modismos da dança flamenca nos dias de hoje.

Andrea Ortega
Seria conveniente a manutenção deste legado aqui no RJ, pois é importantíssimo para a nossa história da dança. E em nada isso atrapalharia na evolução do flamenco com o formato dos dias de hoje. E isto quem faz hoje em dia é a filha Andrea na Itália, a que segue atuando como bailarina e como professora.

Mabel e Alberto, Carmen Dotto,
Marisa Vásquez, Calpurnia,
Robinson Gambarra, Lúcia
Caruso e Lúcia.
Bastidores do filme
"Manoushe", 1992.

Com a partida de Mabel Martin e seu esposo bailarino e guitarrista Alberto Turina, somente aqueles que levam seus ensinamentos conseguirão dar o devido mérito ao trabalho árduo e duro que eles deixaram. Poucos têm esta escola e, mesmo que seguindo a modernidade que o flamenco tem hoje, nenhum deles esqueceu a escola que aprendeu.

Eu não cheguei a participar do grupo por conta de ter escolhido apenas o Flamenco. Para o casal era de fundamental importância que todos aprendessem a escola  toda e não somente uma delas como eu  escolhi. E esta é outra história que já contei.

Mas deixar esta memória póstuma com o meu olhar em particular sobre Mabel Martin foi a maneira carinhosa que encontrei para deixar seu nome registrado na memória da dança espanhola no Rio de Janeiro.

Ao menos na minha história com o Flamenco seu nome estará sempre presente e tenho orgulho disso. Talvez sem a presença dela e de Alberto em minha vida eu não teria um bom filtro para escolher os caminhos com o Flamenco e danças afins nestes anos todos que me dedico.

As fotos me foram cedidas por alguns amigos e por Lívia Bueno, Andrea Ortega e Marcelo, filhos do casal. Não dá para colocar todas as fotos. Escolhi as que me tocaram e preenchem bem este artigo. Minha eterna gratidão por compartilharem comigo suas fotos e por acreditarem em mim. Aos amigos e colegas contribuintes, gratidão por sua generosidade: Victoria Núñez, Lívia Bianco, Andrea Ortega, Robinson Gambarra, Lúcia Caruso e Giselle Ferreira e Marcelo que hoje dirige a Escuela de Danzas na Casa D'Espanha do RJ.

Não posso deixar de mencionar que por duas vezes, em 1994 e em 2004, Mabel recebeu do Rei da Espanha condecorações pelo seu trabalho em prol da cultura espanhola.








Alberto Turina
e
Mabel Martín

        IN MEMORIAM

E minha eterna gratidão pelo que vocês deixaram plantados na história da Dança Espanhola no Rio de Janeiro.

13 comentários:

  1. Alberto Turina foi meu grande maestro, sempre tive um carinho imenso por ele. Certa vez ele encostou o rosto no meu ombro e disse : Ahora pongo las vistas en tu. Tenho muitas lembranças todas boas...parabens Ricardo pela linda matéria.

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  2. Que linda matéria Ricardo. Muito rica e interessante. Parabéns maestro! Muito gratificante ser sua aluna para aprender o Flamenco. Sigo apaixonada beijo enorme.

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  3. Ricardo adorei o texto, realmente a contribuição de Mabel e Alberto para a dança espanhola no Brasil são incríveis, aqui nenhuma escola teve essa formação completa que tivemos.Tenho muita gratidão por tudo o que aprendi com eles, além de dançar aprendi a fazer figurinos com a Mabel.
    Aprendi muito sobre composição coreográfica com o Alberto.Bem teríamos muitas histórias para contar!
    Parabéns pela matéria.

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  4. Querido amigo,
    li sua materia e amei , obrigado Pelo carinho e respeito que vc sempre teve para com meus pais e comigo.
    Mais não poderia deixar aqui meu parecer que como filha de Mabel e Alberto tenho o direito e o dever de espresar que o que ficou la na academia que meus pais deram duro para conquistar ,ficou apenas um nome ,infelizmente ali nem as lembranças restaram que dirá um legado. A essência , o legado e toda arte e o real valor do quanto meus pais lutaram para conquistar ao longo de uma vida com seu trabalho ,fica tudo com minha irmã Andrea .
    Ela sim pode e tem toda a capacidade de dar a continuidade do lindo trabalho de meus pais .
    E ela que leva o nome deles e tenho certeza que aonde Meus pais estiverem estão orgulhosos com o trabalho dela.
    Não posso deixar de agradecer a todos os citados no seu artigo pois cada um deixou ali sua marca ,e uma gota de seu suor em cada espetáculo e coreografia feito por Mabel e Alberto.
    E a você querido amigo ,fica meu eterno agradecimento e meu respeito.
    um forte abraço,
    Lívia bianco

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  5. Nossa, me emocionei com o texto, as fotos... Mabel e Alberto foram mais que sogros, foram meus amigos queridos e que, mereciam essa homenagem. Parabens!!!
    Denise C. Bianco

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  6. Emocionante materia, as fotos que nem eu conhecia... meus queridinhos...

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  7. Olá, re-li a matéria e tenho que agradecer ao Ricardo pelo trabalho feito. Muito bem escrito. Adorei as fotos também. Foram meus mestres e pais queridos. Confesso que embora com passos pequenos tento dar continuidade ao trabalho deles. Obrigada!

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  8. Hoje a tarde comecei a pensar em Mabel e a saudade foi crescendo até eu caçar uma foto dela na internet e vir parar aqui. Trabalhei alguns anos na Casa de Espanha e fui aluna dela especificamente por 4 anos. E o título do seu texto coube mais do q exato em tudo que ela representa. Gratidão pela homenagem: Ela e Alberto merecem demais! <3

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  9. Hoje amanheci com saudades de Mabel... e olhando fotos na internet vim parar aqui. Trabalhei na Casa por muitos anos. Fui aluna dela por 4 anos... Os aprendizados na dança vieram para a vida e uma saudade imensa da "dureza suave" diaria dela. O humor absolutamente especial. Me identificava horrores rs! Pena saber q a Escola nao segue como eles a fizeram... Mas linda a homenagem, eles merecem! Gratidão. <3

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  10. Muito emocionada com tudo que li aqui. Ver Livia e Andrea escrevendo. Ver que Marcelo assumiu a escola. Que bonito! a vida faz e refaz e faz diferente e lá adiante faz de novo... Lembro deles pequenos, na sala da Mabel, Mariza e eu ajudando a fazer nossos figurinos, o meu verde de lunares e o da Mariza Figueredo de flores. Mabel sempre foi um amor comigo, nunca a achei grosseira e a gente ria muito no camarim, aquela intimidade de quem sua nos mesmo chão, embora ela fosse uma mestra como poucas. Conheci Mabel quando a exuberante Dina Flores, nossa professora em Copacabana, foi embora do Brasil e nos indicou Mabel. Cheguei na sala de aula e vi aquela mulher pequena, alourada, nada a ver com o que se imagina da figura espanhola, de calças compridas, uma blusinha de renda clara e um cigarro na boca. Pensei, ih, viemos aqui à toa... Foi quando ela começou a dançar, seus braços viraram asas de fogo e o olhos eram olhos de águia. A dança vibrava ali. Não importava mais o figurino, a sala de aula, nada. Agradeço imensamente ter feito parte de Los Romeros e de ter dividido o camarim do restaurante El Pescador com ela por quase 1 ano, de terça a sexta. Um presente. Eu não teria feito a personagem Dara do mesmo jeito se não tivesse passado por Mabel e Alberto. É um privilégio poder ser coreografada por um músico como Alberto Turina. Ele nos fazia ouvir e botar nos pés e no corpo todo, sícopes e quiálteras raras. Um artista muito gentil e rigoroso. a gente chamava ele de "chefe"

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    1. Tereza, obrigado por comentar. Tb tive as mesmas impressões pq sempre fui bem tratado por ela.

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