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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Dança e espiritualidade diversas

De uma forma bem generalizada a dança poderia ser descrita como movimentos consoantes a música num ato de total harmonia onde se vê claramente que os impulsos do corpo condizem com os ciclos musicais de cada estilo.

Estudioso e questionador que sou, tenho recebido alguns alunos ao longo destes quase 40 anos dedicado especificamente à arte flamenca e algumas danças afins e vejo que todos confundem suas inspirações  ditas "espirituais" com a forma da dança em si, alegam receberem alguma influência astral ou ainda usam o termo ancestral (espiritual ou não) pra justificarem aquilo que fazem; e pode piorar quando se defendem usando a espiritualidade como resposta as suas manifestações sem qualquer nexo com aquilo que se escuta ou supostamente imagina ser. 

Muitas vezes ouvi no meio artístico que "a dança está de um lado totalmente oposto ao que pede a música". Fato! Quando desconhecia as raízes daquela arte que mexe comigo eu muito me impressionava com estas manifestações. Ao me aprofundar nos estudos fui entendo esse divisor de algo mais respeitoso com a dança e estes movimentos justificados por essa espiritualidade desconexa com a própria música em si.

Não é difícil ver que os registros físicos que a dança tinha, e tem até hoje, parte de ritualísticas religiosas ou sacerdotais ou de celebrações coletivas. Mesmo assim seus movimentos são consoantes as métricas de cada estilo musical. Até seus seguidores, sejam de qual ritualística forem, se embalam por essa energia provida das marcações da música. Não é só um estado de torpor para se movimentarem. Basta ver os indígenas! Independentes de estarem manifestados, suas danças seguem marcações ditadas pelos músicos. Eu perderia páginas escrevendo e citando danças de todas as partes do mundo que se manifestam assim, regradas literalmente pela música.

A palavra espiritualidade se relaciona literalmente com uma busca da essência interior tentando se entender no universo em sua composição astral e física. E pode sim estar conectada a alguma filosofia espiritualista ou mesmo religiosa onde cada caminho busca entender e justificar a existência da vida de tudo que vem da natureza onde a ciência convencional não consegue justificar. Também daria páginas de reflexões e o que é pior, pode-se ter julgamentos por não aceitar aquela forma conforme se supõe estar certa ou errada segundo conceito pessoal de cada um. Já falei em outros artigos aqui sobre a questão de se fazer um bom indivíduo na vida independentemente do caminho escolhido.

Por causa das origens miscigenadas do flamenco, a arte que escolhi, acabei me interessando por essas  outras raízes haja vista que sua existência se deve a essa grande mistura e filtragem destas culturas. Para quem estuda o flamenco sabe que suas raízes possuem fortes inspirações principalmente de mouros, espanhóis do sul de uma forma mais intensa, de africanos, judeus e até mesmo da etnia cigana que já é uma aglutinadora de culturas e se reinventa por cada país que passa dando origem a novas formas de canto, música e dança. Aliás há um ledo engano de que esse povo dança sem compromisso e se deixa levar pela música sem conhecê-la antes. Os passos são sim aprendidos e aplicados na música entendendo, ao menos, a harmonia com os ciclos musicais. Então o flamenco é um grande caldeirão de culturas como aquele prato de comida que fazemos e melhoramos agregando algo pessoal sem alterar sua característica principal.

Da dança encontraremos duas únicas formas que regem o mundo todo. A acadêmica, que dita diretrizes e formas regulares onde a linguagem é única para todos, e a Popular, que tem suas regras ditadas pela manifestação do povo em si. E ainda assim ambas seguem regras ditadas pela música! Do ramo popular podemos ainda dar um espaço para as religiosas que, mesmo sob influência litúrgica, seguem os ditames da música de sua comunidade.

"A dança acadêmica e a dança popular são duas categorias distintas dentro do universo da dança, com características e objetivos diferentes. A dança acadêmica, também chamada de erudita ou clássica, geralmente envolve técnicas específicas, treinamento formal e é frequentemente associada a apresentações em teatros e escolas de dança. Já a dança popular engloba as manifestações culturais tradicionais de diferentes povos e regiões, podendo ser praticada em contextos sociais e familiares, e muitas vezes transmitida oralmente de geração em geração.

Dança estilizada refere-se a uma composição vinculada a determinada dança, porém dissociada dos passos e da coreografia. Esse tipo de obra se inspira em danças populares, porém não é mais, propriamente, uma expressão completamente popular delas. Acaba ficando decorativa e recheada de excessos ou carências da forma original e, por essa razão, nada tem a ver com a representatividade daquele povo em questão."

Fonte: Google


dança popular brasileira

Aí questiono profissionais e amadores que não gostam de estudar, de se aprofundarem nos conhecimentos e depois se manifestam artisticamente sem nenhum compromisso ou responsabilidade cultural quando fazem seus trabalhos e ensinam a outros a serem iguais a si. As danças de matriz étnica são as que mais sofrem essas interferências e vemos em toda parte do país a livre estilização, o que não é ruim por se tratar de uma forma da expressão, e a determinação que essas pessoas apresentam, a maioria consciente,  com a falta de compromisso e responsabilidade advinda dessa pseudo liberdade de expressão. 

Alguns amigos sempre disseram que quanto mais conhecimento se adquire, mais o filtro das escolhas é exigente e mais nos afastamos de gente que simplesmente não quer esse compromisso, essa responsabilidade e respeito cultural com as formas peculiares de cada povo que nem é o seu. A exemplo cito quando vemos e criticamos pessoas de outras culturas que dançam e "ensinam" o samba totalmente fora de um contexto e fora do ritmo. 

dança estilizada

Dança-se como quer, como sua energia grita e isso não tem nada de errado. Mas ao se mostrar como profissional e ainda ensinar essa forma existe sim uma responsabilidade implícita pelo respeito a dança escolhida e ao aprendiz que quer se inserir nessa cultura.

Então para quê servem pra essas pessoas as escolas de danças étnicas que trazem a fundo as bases sólidas das danças que ensinam por terem estudado? Dá pra fazer um paralelo com a necessidade de se formar em alguma profissão... bem fácil perguntar e responder se você faria uma cirurgia com um especializado ou com aquele que nunca conheceu nenhuma técnica e põe em risco sua vida.

Sonia Castriotto foi uma das primeiras professoras que tive no flamenco e que sempre enfatizou que quanto mais técnicas diversas de dança eu dominar, mais liberdade eu teria para expressar minha arte, no caso o flamenco. Então segui atrás de outras linhas flamencas, pesquisei um pouco a cultura judaica pra entender algumas danças, adentrei até num curso de danças indianas onde aprendi um pouco de Odissi e principalmente do Katak, observei por muito tempo a dança árabe, conheci as formas instintivas de danças ditas ciganas e realmente de danças de alguns ciganos reais e também fui pesquisar por algum tempo a dança contemporânea e o ballet para responder a minha natural curiosidade daquilo que falei sobre as formas erudita e popular da dança.

dança erudita ou acadêmica

Tenho artigo aqui falando das formas de danças que se misturam com religiosidade e aponto uma em específico onde quase a totalidade de seus instrutores acabam se rendendo a uma forma espiritual de culto para afirmar a existência de seus conhecimentos daquela específica dança supostamente ensinada por algum mentor espiritual. Ok, sendo assim a veracidade deste mentor, sendo mesmo da etnia ou com convivências com tal povo, saberia intuir as danças exatamente como eram ou são; o que não vi até hoje ainda nos inúmeros caminhos que percorri.  Ainda ponho em cheque, já debatido em alguns lugares, que a religião nunca foi um estilo de dança acadêmica,  mas sim um tema para diversos estilos de dança onde essa temática é explorada com estudos para dar mais profundidade as suas necessidades, ficando estilizadas para palco ou para plateia ao ar livre sem o compromisso litúrgico do culto.

Em particular, a dança para mim já é um puro manifesto da existência e se expressa nas mais diferentes linguagens seguindo os ditames que as distingue. Então se aprofundar naquela que o satisfaz nada mais é do que adquirir, primeiro, mais conhecimento histórico de um povo e, segundo, dominar as estruturas da dança e das músicas que a compõe. E de fato essa liberdade tão almejada para dançar livremente é alcançada sem nenhuma esteriotipagem da cultura que escolheu. 

Dançar a dança de um povo é conhecer sua história, seus costumes, seus trajes, comidas, linguagem da dança e até mesmo sua religiosidade mas sem se tornar um deles porque não existe conversão para isso e, acima de tudo, respeitá-la como ela é. Mas ganhará um certo prestígio entre os tutores da cultura caso o faça com aquela proximidade que os identifica e se reconhecem. Não é estudar para ter este reconhecimento! Este vem sozinho, do nada, bem espontâneo e quando menos se espera. Somente nas danças acadêmicas e eruditas existe formação que é um reconhecimento, como o nome diz, formal para poder executá-la com respeito e ensiná-la como tal. 

Dançar formas populares tem sim a liberdade, mas jamais terá a admiração de seus tutores salvo dos ignorantes dessas normas de conduta que muitos dizem delimitar suas expressões espiritualizadas e ditas como a livre "expressão artística".

E pergunto então o por quê destas pessoas necessitarem de algum curso se não seria apenas pra pegar alguns passos e saber um pouquinho dos trajes já que usam da sua inspiração espiritual pra justificarem suas danças? Não é a sua espiritualidade que sabe tudo o que te inspira? Fica a pergunta outra vez se está coerente com o povo vivo e real que manifesta sua cultura e se realmente precisa cursar alguma dança.

Duro isso, não é mesmo? Eu mesmo recebia muitas críticas e ironias de seus tutores quando fazia minha dança crente que apenas minha emoção por ela era suficiente para me expressar... mas respeitarei o tempo de cada uma destas pessoas quando querem se amostrar e, de alguma forma, serem reconhecidas; seja por seu digno estudo ou apenas para alimentarem seus egos haja vista que a dança também tem muito de egolatria e vaidade em todos os segmentos.

Fica aqui uma reflexão de um cara que iniciou na dança por inspiração, por alguma atração e ligação com a dança (flamenca) que não justifica minha ancestralidade de portugueses, indígenas, negros e italianos. Deixarei que a espiritualidade me explique isso quando desta vida eu me for. Enquanto isso continuarei a adquirir mais conhecimentos para cada vez mais ter essa liberdade de expressão... sem achismos ou distorções culturais.

Talento é um presente que trazemos, mas pode ser mal aproveitado se não aprofundado com estudos e assim caímos nesse árduo caminho das distorções esperando que os estudiosos e profissionais o admirem apenas por sua inspiração espiritualista. 

Todo caldeirão que se mexe solta fumaça, não é mesmo?

terça-feira, 17 de junho de 2025

Ouvir sem se ferir

 Passei por um ciclo em minha vida em que a fala alheia me importava, mexia comigo e muitas vezes eu entrava na depressão por acreditar nelas. Com o passar do tempo aprendi a escutar, mas ainda dava respostas na defensiva quando me sentia agredido de alguma forma. Depois comecei a escolher o que ouvir... mas ainda sentia, me feria, criei mágoas, rancores e às vezes sentia necessidades de me justificar.

O tempo foi passando e a maturidade se ampliando porque existe algo de muito importante que é se entender no universo, a importância do seu existir e as razões pelas quais você está aqui. A essa inquietude reconheço como a tal espiritualidade que muito leio, ouço e eu mesmo falo. Reconhecer minha composição astral e física é algo que dirá respeito a mim mesmo.

Mas sempre foi difícil entender que cada um de nós se percebe diferente no mundo e muitas vezes questionamos os outros por divergir de suas essências. São verdades distintas segundo aquilo que cada um percebe sobre si diante do mundo. Aprendi a respeitar isso, a ver estas diferenças e a ouvir. Mas nem sempre lido bem, ainda, com isso. Apenas entendo que aquilo que não me cabe não me macula mais como antes independente da intenção do outro.

Existe um provérbio cigano que diz "aquilo que caiu da minha carroça não me pertence mais." Essa frase ecoa em mim mostrando que o passado está lá no seu devido lugar, que não deve ser esquecido e que se houve sofrimentos será com a resiliência que se chega a superação. Consigo lembrar e falar mas não sofro mais. "Caiu da minha carroça".

Então entendi que ouvir os outros também se aprende e se entende onde eles se encontram... às vezes mais atrás, no mesmo nível mas em paralelo ou mais adiante que eu. E mesmo assim as falas dos outros que não me cabem não me doem mais mesmo que nos gostemos. Amigos sempre fazem isso: expõem o que pensam no intuito de ajudar. O que não percebe é que a forma como faz ou diz pode, eventualmente,  machucar o outro sem perceber. E quando o outro se declara, quando não guarda pra si, cabe a nós nos redimir.

Aprendi que "nem tudo deve ser dito a todos e nem todos devem saber de tudo". Esse é um filtro do qual ajuda no equilíbrio das exposições. Escolhi meu silêncio com menos exposições pessoais externas, principalmente nas mídias sociais onde muitos se baseiam nelas para direcionarem suas vidas. Já fiz isso e ganhei foi mais dor de cabeça do que fazer novas amizades. Auto preservação e muita paz!

Mas se tem algo que me é característico é a sinceridade... alguns gostam de mim por isso e outros me odeiam pela mesma razão. Não dou atenção mais a segunda sentença da frase por entender que ali não ganho nada a não ser os tais aborrecimentos de falas e sentimentos que não me cabem mais.


A seleção precisa sempre de nossa ajuda que é o mais óbvio de todas as nossas características: o arbítrio. Hoje sei ler, ver e ouvir muitas pessoas sem me esbarrar em algum tipo de sentimento negativo quando alguma destas falas ressoam contrárias ou ruins; salvo quando vem como crítica construtiva e que muito ajuda nas reflexões. Aprendi a respeitar essas falas e a não confabular com elas quando não existe esse respeito mútuo. Muito menos a me justificar porque não há o respeito e menos ainda o interesse em me ouvir. Eu falo e você escuta. Você fala e eu escuto. Discutimos e chegamos a algum lugar, ou não, respeitamos nossos pensamentos e apenas seguimos! Simples assim! Não dói quando se entende isso! As vezes só escuto e não falo, não emito posicionamento nenhum. Apenas um "te entendo" por bastar em algumas situações.

Só não tenho mais tempo para egocentrismos e o desrespeito. Se alguém quer escutar elogios meus, o farei se eu realmente gostar. Caso contrário fico em silêncio. Eu penso que aquele que pergunta é porque quer uma resposta. Mas precisa aprender a respeitar aquilo que receberá, consoante ou não naquilo que projeta como resposta. Quando ela não vem consoante eu não me aborreço mais, não me dói mais porque não é pra mim. Infelizmente vejo muitas pessoas que se sentem magoadas, injustiçadas, tristes ou decepcionadas por nutrirem somente respostas consoantes às suas expectativas. Precisam aprender a lidar com as respostas negativas quando a pergunta requer uma decisão. Não respondo aquilo que deseja para agradar ninguém...

Aprendi a sentir a empatia sem me envolver. Empatia é a faculdade de entender e até mesmo sentir o que o outro sente mas compreendendo que esses sentimentos e momentos não são meus. É um ato praticamente de solidariedade ao outro mas consciente de que aquilo não é meu, portanto não é problema meu embora possa estar ali dando um alento e ajudando, quando pedido e merecido, a sair daquela situação. Ainda assim dentro de meus limites... Quando sou ignorado, nada me diz. Apenas esqueço e sigo adiante. Mas também se sou pressionado a fazer para satisfazer o outro sem meu consentimento, eu não curto! E é aí que me afasto no silêncio. 

Essas falas podem servir de carapuça a muitos; o que não é meu objetivo. Mais uma vez digo, saber ler, refletir e decidir depois. Razão e emoção precisam andar juntas!


Sim, quando reconheço meu erro tento saná-lo ou aliviar as consequências e não repito mais. A vida me mostrou que repetir erros é total demonstração da falta da resiliência! Principalmente quando recebe um ensinamento e acha que o aprendeu...  E hoje quero fazer sobrar tempo pra curtir melhor a vida.

Sempre que estou em terapia sou lembrado dessa figura abaixo. A legenda poderia ser "vem comigo pra eu não fazer merdas".


Ferir o outro sem querer não é um erro, mas falta de atenção. Como citei lá encima, cabe ao outro se manifestar e também reconhecer quando a gente se redime. Eu ainda me pergunto se seria mesmo uma ferida que causei a pessoa ou se seria ela não respeitar o posicionamento dos outros quando destoante do seu. Também respeito se ela assim estiver. E quase sempre só se descobre quando algo acontece nessa história das falas...

Porque ser sincero pode doer algumas vezes ou ser libertador em outras.
Uns gostam e se aproximam por isso indiferente ao posicionamento que tomo. Preferem a sinceridade mesmo que doa e ainda assim, sabem lidar com isso. Outros se afastam pela mesma razão, mas por não gostarem e nem respeitarem quando a discordância é direta mesmo sem o intuito de ferir.

Não gosto da ilusão. Prefiro assim...


Ouvir sem se ferir.
É isso.

E mais uma vez a lição é sempre a mesma:





quarta-feira, 7 de maio de 2025

Carmen Purísssima 28 anos depois

Em meados dos anos 90 eu tive uma depressão por decepção profissional. Precisava ganhar dinheiro para pagar dívidas contraídas haja vista ter me afastado do mercado de dança que era a única coisa que eu sabia fazer naquela época para ganhar dinheiro. Adentrei o universo underground e vi outro mundo artístico, o transformista que hoje recebe o pomposo e evoluído nome de "dragqueen" onde você literalmente se transforma num personagem de forma artística.

Numa dessas noites adentrei o antigo Cabaré Bohemio na Lapa onde uma das mais famosas drags da época reinava.

 Norberto Chucri David (in memoriam) era professor de história durante o dia e Laura de Vison de noite. Foi "ela" quem me "amadrinhou", deu o nome artístico e me ensinou como trilhar neste denso universo de artistas transformistas da época onde reinavam outras famosas como Meime dos Brilhos, Lorna Washington e o grande comediante Rose Bombom, mestre da famosa e atual Suzy Brasil que vi nascer nessa época.
 

Nascia sob os cuidados da tia Laura, como a chamei por quase dois anos, a Carmen Purísssima, com três "s" porque ela alegava ser muito ingênuo e não queria que eu sofresse os dramas deste lado artístico da época. Sempre me protegeu e sempre me aconselhou em como me comportar quando estivesse fora de sua guarda que era fora daquela boite. Andei por inúmeras casas noturnas do Rio de Janeiro e Niterói fazendo o que sabia: dançar flamenco, porém na pele da Carmen Purísssima. Raramente dublava e quando o fazia performava fazendo a Lola Flores ou mesmo a Lole Montoya; ambas famosas cantoras de flamenco que gosto muito.

Não cheguei a dois anos no mercado porque não aguentei o peso e os dramas da época conforme tia Laura me mostrou. Só queria ganhar dinheiro. Confesso que ganhei, e muito, para pagar as minhas dívidas da época. E sobrou um pouco...


Enfrentei o retorno à minha realidade e acabei com a espanhola. Fiz uma fogueira na casa de quem tirou essas fotos  e queimei tudo como num grande exorcismo! "Carmen voltou para sua terra natal e não sabe quando voltará." Esse era o discurso que dava quando perguntavam por ela.

Em 2024 recebo um chamado por uma das mídias sociais de um ex-aluno, Leonardo Simões é hoje um grande diretor teatral de Niterói, que me pediu indicar artistas para fazerem pequenas interferências de dança na peça "A Casa de Bernarda Alba" a estrear em dezembro de 2024 no teatro da Uff onde dancei muitas vezes com alguns shows flamencos e participações com alunos das academias que ministrei aulas. Ousadia minha, mostrei a ele a imediata inspiração que tive com um ídolo que adoro e é uma de minhas inspirações para o que faço hoje com o Flamenco. Manuel Liñan... esse consagrado artista flamenco montou um musical chamado "Viva!!" onde todo o elenco eram homens travestidos de bailaoras sem caricaturas para uma grande homenagem a essas mulheres dançarinas de Flamenco.



Eu mesmo propus o desafio e acabei fazendo os preâmbulos e a cena final da peça. Foi como trazer à tona a Carmen Purísssima mais madura... deu certo e foi o maior sucesso!
 Devo essa credibilidade e oportunidade ao Leonardo Simões,  diretor teatral.








E agora em julho de 2025 estaremos em cartaz no Theatro Municipal de Niterói reprisando a peça.








Mais aprendizado pessoal


Em toda filosofia espiritualista ou próxima disso que queira explicar a vida, seja ela auto denominante religião ou apenas uma ciência, se fala dos atributos do espírito onde o caráter, o bom senso e demais aspectos possuem valores diferenciados segundo seus princípios básicos. Nada posso criticar sobre essas condições de aprendizado porque cada uma delas possuem suas razões e fundamentos para se justificarem. Com o tempo aprendi que devo respeitar estas diferenças e compreendê-las segundo a forma pessoal o que elas entendem destes atributos, mesmo que eu pessoalmente não aceite algumas por apenas discordar ou já ter vivenciado e descoberto que não foi daquela forma minha vivência conforme explicado.

 Aprendemos seus conceitos e até supomos quais seriam as sensações se não passarmos por alguma delas. A arte flamenca ensina passar por emoções "emprestadas", aquelas que não vivemos mas nos solidarizamos a elas e ficamos empáticos.

Estes dias passados vivi a misericórdia. É um ato digno de total desprendimento, empatia e libertação por amor. Mas confesso que dói demais! Aprendi e descobri muito antes disso o valor que a vida tem em todos os aspectos e de como tudo e todos estão conectados as diversas camadas da espiritualidade.

Misericórdia dói mais que perder alguém que se ama por meios naturais.

Eutanásia é, segundo a explicação mais simples, a interrupção da vida por outrem para aquele que não tem mais perspectivas de recuperação de sua enfermidade e poder desfrutar, ainda que com poucas possibilidades, da vida como um todo dentro das limitações deste momento. Literalmente é vegetar por ter seus pulsos cardíacos e/ou mentais obrigados a funcionar por forma química ou mecânica sem proveito algum para absolutamente nada. Há filosofias espiritualistas que creem na necessidade de resgate pela dor deste momento que; ainda que de forma muito dura, faz até sentido pra quem pensa, concorda e age assim quando se trata de seres humanos. Espero não passar por isso; até porque nossa legislação considera isso um crime.


Eu vivi isso com um animal. Coragem foi um pinscher que resgatei da Suipa do RJ para sanar a depressão de outro pet que tive, a Lola, a quem surgiu em minha vida para me ajudar a me recuperar da minha depressão. Deu certo em todos os casos! Lola se foi pelo seu aspecto idoso e fragilizado. Mas Coragem foi de outra forma.

Pelo caráter desconhecido de seus genitores, quero dizer que desconhecia por ser um pet abandonado,  ele herdou uma artrose que atacou seus quadris, uma vesícula que eventualmente se manifestava deficiente, crises convulsivas de largo espaçamento e um coração fisicamente fragilizado. Sua avançada idade intensificou a artrose e trouxe a cegueira quase total, deficiência auditiva e dentes caindo pelos tártaros não tratados. Como ele foi forçado a tomar muitas medicações pela boca e eventualmente entrava em convulsão, eu não consegui ao longo da vida fazer o devido tratamento caseiro e muitos menos com especialista haja vista que até o próprio e natural nervosismo de estar com estranho (veterinário) poderia desencadear outra convulsão. Durante toda sua vida consegui esse controle com o uso de um remédio fitoterápico aplicado quando suas convulsões surgiam quase do nada! Mas infelizmente não era pra ser usado antes de uma crise porque ela nunca avisava quando viria. Com isso, alguns de seus dentes inflamaram. Um canino caiu num espirro e o tenho comigo como relicário. Sua taxa de leucócitos estava muito acima do que poderia suportar um animal daquele porte, possuía um pouco de anemia e sua taxa de uréia não estava tão alta, mas aumentava a gravidade de tudo por virar um tóxico em sua corrente sanguínea alterando o hálito para pior e misturado com o odor da infecção, seu cérebro perdia as conexões trazendo uma demência acentuada pela idade avançada dele. Já não se alimentava há 4 dias e água só com muito custo por insistência minha, ou seja, visível quadro de desidratação e desnutrição. Para não deixar em branco, Coragem tinha dieta orgânica controlada e feita por mim. Enquanto conseguia, comia livremente até 4 vezes ao dia. Apenas chorava pedindo ou em caso de minha presença me encaminhava direto para seu pratinho indicando com a cabeça como se dissesse "quero comer". Algo que nunca tinha tinha visto... Fui seus pés por um bom tempo.

Seu quadro de saúde foi piorando com o tempo conforme dá pra perceber no parágrafo acima e vivi 10 dias intensos de total atenção a ele e com quase 2 horas de sono interrompidos por dia neste ciclo. Também não reclamo disso e nem do esgotamento físico que isso me trouxe porque isso é questão de tratamento adequado para me recuperar. Mas era o mínimo que podia fazer por ele como amor e agradecimento e companheirismo por seus quase 15 anos comigo.

Trago aqui o relato dessa minha dificuldade de digerir melhor o que tive que escolher por ele passando por cima de alguns valores que tinha. Sempre consoante aos aconselhamentos, explicações  e esclarecimentos precisei pensar na vida dele, seu futuro com tratamentos e, principalmente, a qualidade do pouco de vida que poderia ter e desfrutar pela frente após isso.

Escolhi a eutanásia de forma consciente pensando nele e não em mim. Foi tudo muito tranquilo e apoiado pela minha irmã e surpreendentemente com o maior apoio de todos, a Matilda. Outra pet mais nova e companheira do Coragem nestes anos que estiveram juntos. Matilda estava colada comigo durante o processo.

Matilda ao meu lado e eu com Coragem no colo minutos antes do processo. Ela ficou até o final. Desconhecia deste registro até agora há pouco.

Inúmeras vezes precisei ser as pernas e as forças do Coragem para atividades básicas da vida. Inúmeras vezes estive com ele em meu colo e mesmo cego a olhar com os olhos da alma. Era um poço de ternura esses momentos nossos. Quando analisei as possibilidades escolhi a eutanásia. Passei a noite de domingo para segunda com ele no meu colo. Chorei demais, questionava a mim mesmo o quão justo, certo e honesto estava sendo, se era essa a melhor saída, se eu tinha o direito, o dever e/ou a obrigação de ir por esse caminho e principalmente me senti extremamente mau quando pensei em prolongar sua vida. Isso me remeteu a um ato muito egoísta querendo apenas ele mais tempo vivo do meu lado. A prioridade era ele o tempo todo! Imediatamente cortei esse egoísmo e me sobrou a eutanásia.

Misericórdia... literalmente eu senti o que é esse ato. Coragem se foi nessa segunda dia 05 de maio e foi cremado. Não tenho problemas com a morte dos queridos, sinto normalmente as emoções e sei que um dia esse luto passa e sigo a vida. Me dói intensamente pedir pra abreviar a vida dele. DELE! Entendo bem o que seria o futuro caso seguisse tratamento e etc.

Mas ainda estou digerindo isso... essa dor da misericórdia... não desejo isso para ninguém!

Coragem não foi minha primeira e nem a segunda experiência com partida de pets. De qualquer forma eram vidas e tiveram seus valores...

Misericórdia dói.

E muito!

Luto agora pra transformar essa dor em doces e deliciosas saudades que Coragem trouxe em sua existência. Me mostrou de forma mais intensa o poder da vida, a impotência humana e a importância de todos os seres vivos, Uma profunda lição que estou tomando e que já foi aumentada pela minha natural luta e sobrevida após mais de 30 anos conviver com o HIV e ter tido, ainda que por alguns minutos, uma menina com meses de nascida em meu colo, soronegativa de pais soropositivos. Ali a vida gritou de novo pra mim.

Coragem me fez ver a vida por outro lado e intensificou o valor dela através dessa liberdade por amor pela misericórdia.

Dói... mas em breve poderei explanar e ensinar a outros o que é essa sensação angustiante e aflitiva no início mas que tende a se resolver no alívio dele e no meu amor desprendido e liberto.

Dói, mas vai passar...

Coragem está com Lola...


domingo, 15 de dezembro de 2024

E se vai minha amiga...

Cito Cristina da Costa Pereira em um livro onde relato como a conheci, minha admiração e respeito por ela e de como nos tornamos amigos por conta dos ciganos; grupo social ao qual ela teve muita aproximação durante 30 anos e cuja relação ela dedicou 7 dos 13 livros que escreveu para ajudar e tentar acabar, ou diminuir, os preconceitos com eles.

Em algumas conversas repetia a pergunta a ela: por que os ciganos? Ela dizia também não saber e talvez houvesse algo espiritual a ser resolvido. Mas ainda assim não gostava que tocasse no assunto.

Com os livros, palestras que deu em vários ambientes incluindo alguns acadêmicos ela deixou claro e de maneira inteligente e peculiar aquilo que desconhecemos da etnia. Com outros livros publicados e alguns premiados, ela fez o que veio fazer... ser professora de literatura e revisora de livros para grandes editoras.

Participei de um de seus livros contando como é meu processo criativo com arte. Estou na 2a edição do "A inspiração espiritual na criação artística", uma pequena exposição do qual me senti lisonjeado em participar.

Cristina não gostava de estrelismos e se esquivou de muitas situações para proteger os ciganos das distorções culturais que fazem até hoje.

Participou da fundação do CEC, o primeiro Centro de Estudos Ciganos da América Latina junto com o famoso violinista Mio Vacite, o cigano e doutor em música Antônio Guerreiro e Marcos Rodrigues assim como outros ciganos. 

Ah como tive o prazer de estar em quase todos os eventos sobre a etnia que ela participou...

Em agosto deste ano Cristina teve complicações de saúde sendo internada num dia e falecendo no outro. Por mais que eu entenda e aceite as regras da vida, mesmo assim sua partida mexeu comigo.

Sou extremamente grato por esse privilégio de ter convivido com ela, ter acesso a alguns membros da etnia e por ter aprendido tanto com ela, uma sábia mulher que usou de algumas resiliências da sua vida para deixar um legado ao seus seguidores, aos ciganos e à seus familiares. 

Cristina, te amo!

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Refletindo o mundo atual



Tudo hoje está estremo, radical e cheio de distorções da realidade. Ou estão transformando a realidade para ser a nova referência da vida? De fato, é fácil perceber isso com os padrões de beleza na história da humanidade. Mas hoje em dia ser "baranga" através da disformia pelas suscetivas plásticas é uma das coisas atuais. Apenas um exemplo daquilo que falo...

Aprendi com o tempo ser mais empático, aceitar e respeitar as diferenças e dar maior limites em algumas convivências. Uma amiga bem disse que aprimorar os conhecimentos aumenta o nosso processo seletivo natural e as dúvidas ficam mais refinadas. Às vezes nos afastamos de pessoas que persistem em destratar os outros para se auto-afirmarem em alguns pontos da vida. Já não tenho paciência pra essas pessoas e aumentei meu limite com elas. Ainda assim, as respeito por serem e pensarem assim. Na verdade eu me distancio daquilo que considero nocivo pra mim. Simples assim...

As filosofias que adentrei até os dias de hoje quase sempre acusam umas as outras de estarem "abaixo" da sua evolução, inferiores e de serem materialistas ou até mesmo de denegrirem a outra divergente para afirmar a sua ser a única correta. Seja diferente e te distancio de mim. Basicamente é isso que vejo hoje. Ainda tem aqueles que te diminuem por ser de outra filosofia e algumas vezes mudam até sua forma de convivência por isso. Isso só dói em mim quando quem age assim comigo são pessoas que gosto muito. Mas faz parte da vida respeitar e entendê-las.

Cansei de ser julgado por isso... não pesa mais hoje estes julgamentos como eu achava antigamente. Pra mim basta não fazer maldades com os outros que já ganhou meu respeito. No mais, os que usam dessa arma pra existirem eu quero total distância. Então deixo a pergunta: aonde o outro está errado?

Relembro alguns fatos históricos e hoje se repetem com a primazia da atualidade do século em que vivemos. Mas o que mais me chama a atenção é o valor e as referências de vida que mostram, pregam e impõem hoje. Quando se chega a determinado nível apenas resta (de novo) respeitar os outros. Meu limite está em que não me forcem e nem interfiram na minha jornada e forma negativa porque afasto imediatamente.

E ser assim incomoda quando se expõe ou não ajo como a maioria dos coletivos sociais. Então me afasto e não me exponho. Isso é apenas uma forma de preservar aquilo que conquistei e aprendi e que me é salutar em minha jornada pessoal da vida.

O mundo está chato em quase todas as partes. Então farei o melhor possível pra ficar bom, ao menos pra mim, e expandir para outros. Da mesma forma que penso assim vejo outros agindo dessa forma. A empatia é uma ótima ferramenta pra entender e respeitar o outro e a generosidade eu só aplico quando posso e percebo que valerá a pena.

Existe um jargão em inglês que diz "time is money"(tempo é dinheiro) e que releio como como "tempo é precioso" e quero aproveitá-lo com melhores escolhas e tentar sempre errar menos possível e sofrer menos possível. Meu pai dizia que ser feliz é a meta e que eu deveria buscar a minha felicidade. Depois de 24 anos de falecido vejo como suas sábias palavras fazem sentido. Essa foi a forma mais carinhosa que ele teve pra dizer-me que a vida vale a pena e que é o melhor que se pode fazer com uma boa conduta e bons exemplos a seguir, repetir e espalhar. Acredito que faço o que posso dentro das minhas possibilidades e daquilo que acredito ser bom sem macular os que estão ao meu redor.

Resta então ser mais seletivo neste mundo tão extremista de hoje e tão repleto de bizarrices de toda espécie. Se não faço maldades então já tenho algum lucro...

terça-feira, 22 de outubro de 2024

Excessos Contemporâneos

Desde que me entendo como um ser responsável pelas minhas escolhas entendo também das suas consequências. 
De fato o mundo externo do convívio em sociedade mostra como age e pensa a maioria. O resto? Se junte ou seja segregado. Literalmente assim atualmente. Um momento polarizado onde aspectos da humanidade estão com seus extremos aflorados numa tentativa de imporem-se uns aos outros à base da voz mais alta.
Já me sentia fora de círculos por pensar e agir mto diferente da massa reinantes no meu passado não tão distante e agora então...
Está difícil ter que lidar com estes excessos em todos os setores da vida.
Tudo está mais visível pelo lado negativo, mais admirado, seguido, idolatrado e, quase sempre distorcido à favor dessa energia nociva.
Tudo que levei décadas estudando, refletindo e selecionando parece ruir... sobra pouco ou quase nada. 
Até as fontes de onde bebi tem mtas pessoas nocivas por conta do nível espiritual delas.
Não existe nada mais salutar do que aquilo que considero de bom caráter. Aliás,  sempre falo nisso. 
A meu ver, em qualquer lugar existe gente assim. Gente boa e gente ruim. Basta encontrar as boas e esse é o difícil!
Sabe o filme "Advogado do Diabo" com o gde Al Pacino? A frase final do filme é exatamente o que acontece hoje. Um filme fictício mas com fundos reais da humanidade. O "dêmo"? Ótimo personagem mediando isso...A sedução. Veja e entenderá.
Olhando na nossa história sempre houve ciclos ruins para que outro melhor surja. Acho que vivemos o início de um assim, um ruim. 
Me sobrou ser educado, mais tolerante e com muitos limites.
E essa vontade de ver tudo e todos felizes me traz o falador à tona outra vez.  Mas percebo que desta vez as falas boas que acredito não servem. Respeitarei os momentos pessoais das descobertas e de resignificação dos valores deles. Então é hora de fazer apenas silêncio, observar e, se necessário, afastar temporariamente mas cercando-me daquilo que considero bom mesmo que seja pouco porque o pouco que for bom será melhor do quê estes excessos que vejo. Seja ambientes ou pessoas. Meus ouvidos passarão a escutar mais pq são dois! Mais do que a boca que fala que é uma só... é engraçado isso pq me lembra os macaquinhos famosos e que hoje podem ter duplo sentido.
Na verdade ainda aprendo qdo não falar, não ver e não ouvir. Um grande exercício desafiador qdo sou aquele que gosta de gente, de pessoas e de estar em grupos. Aliás,  grupos... como diminuí os meus de forma absurda!
Prevenção de sofrimentos desnecessários. É isso!